Este blog é direcionado para os alunos da Escola Municipal Genildo Miranda no Sítio Lajedo em Mossoró-RN, para os alunos da Escola Estadual Rui Barbosa no município de Tibau-RN, para todos aqueles amantes da Educação Geográfica e também para os que se propõem a discussão de uma Educação contextualizada.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Começa o antropoceno - A era do homem

Uma praia na Toscana reflete a complexa interação entre os seres humanos e o mar. Esta areia "tropical" não é natural: sua cor branca vem dos carbonatos produzidos por uma indústria química que jogava mercúrio ali. A fábrica converte o sal extraído do mar em cloro e outros produtos.

Este é o novo nome para uma nova época geológica definida pelo imenso choque de nossa presença no planeta - impacto cuja marca vai perdurar no registro geológico até bem depois de as cidades terem virado escombros.A trilha leva até o alto do morro, cruzando por um regato de correnteza rápida, retornando a ele e em seguida passando ao lado da carcaça de uma ovelha. Na minha opinião, está chovendo, mas ali, na parte sul das terras altas da Escócia, isso é considerado apenas uma garoa fina, ou smirr. Pouco depois da última curva fechada no caminho, aparecem uma cachoeira e um afloramento de rochas pontiagudas. O rochedo exibe faixas verticais, como se um bolo de camadas tivesse sido tombado de lado. Meu guia, o britânico Jan Zalasiewicz, um especialista em estratigrafia, aponta para uma faixa larga e cinzenta. "Algo bem violento aconteceu aqui", comenta. Essa listra remonta a cerca de 445 milhões de anos e resultou do lento acúmulo de sedimentos no leito de um antigo oceano. Naquela época, a vida ainda estava restrita à água, e passava por uma crise. Entre a delimitação das bordas dessa faixa cinzenta de 1 metro de espessura, cerca de 80% das espécies marinhas se extinguiram, muitas delas animais, como os graptólitos, que não mais existem. Essa extinção maciça, ocorrida no fim do período Ordoviciano, foi um dos cinco maiores episódios desse tipo ocorridos nos últimos 500 milhões de anos. E coincidiu com mudanças violentas no clima, nos níveis globais dos mares e na composição química dos oceanos - tudo isso ocasionado, é bem provável, pela deriva de um supercontinente rumo ao polo Sul.O trabalho de estratígrafos como Zalasiewicz é reconstruir a história da Terra com base em pistas desentranhadas de camadas rochosas - milhões de anos após elas terem sido formadas. Eles adotam uma perspectiva de longo prazo ao examinar acontecimentos no passado. Apenas os mais violentos costumam deixar sinais perenes. São esses eventos que assinalam os episódios cruciais no decorrer dos 4,5 bilhões de anos do planeta, aqueles pontos de reviravolta que dividem sua existência em etapas compreensíveis.
Por isso é desconcertante saber que muitos estratígrafos estão cada vez mais convencidos de que somos responsáveis por um desses eventos - ou seja, que nos últimos dois séculos, aproximadamente, os seres humanos modificaram o planeta a tal ponto que inauguramos uma nova época geológica: o Antropoceno. Debaixo do smirr, pergunto a Zalasiewicz como ele acha que essa época será vista pelos geólogos do futuro distante, seja lá quem forem eles. Essa transição será vista como uma das mais moderadas ou ficará marcada por uma faixa nítida ocasionada por acontecimentos muito violentos - como a extinção em massa no fim do Ordoviciano?

"É bem isso", responde Zalasiewicz, "que estamos tentando descobrir agora."

O termo "antropoceno" foi cunhado pelo químico holandês Paul Crutzen dez anos atrás. Ao participar de uma conferência, Crutzen, que ganhou em 1995 um prêmio Nobel pela descoberta dos efeitos prejudiciais de certos compostos na camada de ozônio, ficou incomodado com o fato de o presidente do simpósio se referir várias vezes ao Holoceno, a época iniciada no fim da última glaciação, 11,5 mil anos atrás, e que oficialmente continua até hoje. "Precisamos parar com essa história", lembra-se Crutzen de ter exclamado de repente, incapaz de se conter. "O Holoceno já ficou para trás. Agora estamos no Antropoceno!" Todos na sala ficaram mudos, mas, durante a pausa para o café, a ideia do Antropoceno foi o principal tema das conversas. Alguém até chegou a sugerir que Crutzen registrasse o termo.
Na década de 1870 um geólogo italiano, Antonio Stoppani, já argumentava que os seres humanos haviam dado início a uma nova época, a que chamou de "antropozoica". A proposta de Stoppani acabou sendo descartada, considerada pouco científica por outros especialistas. A ideia do Antropoceno, por outro lado, encontrou ressonância. O impacto humano no mundo tornou-se bem mais óbvio do que no tempo de Stoppani, em parte porque desde então o tamanho da população quadruplicou, chegando a quase 7 bilhões de pessoas. "O padrão de crescimento da população humana no século 20 foi mais parecido com o das bactérias do que com o dos primatas", escreveu o biólogo E.O. Wilson. Segundo ele, a biomassa humana já é uma centena de vezes maior que a de qualquer outra espécie animal de grande porte que já viveu na Terra.
Em 2002, quando Crutzen desenvolveu a ideia do Antropoceno em artigo para a revista Nature, o conceito foi retomado e discutido por pesquisadores das mais variadas disciplinas. E logo começou a pipocar em publicações científicas.
No princípio, a maioria dos cientistas que adotaram o novo termo geológico não era formada por geólogos. Tais discussões despertaram a atenção de Zalasiewicz, ele sim um geólogo. "Notei que o termo de Crutzen começou a aparecer na literatura séria, sem aspas nem conotação irônica", conta ele. Em 2007, quando era presidente da Sociedade Geológica da Comissão de Estratigrafia de Londres, Zalasiewicz decidiu, em uma reunião, perguntar aos colegas o que eles achavam do Antropoceno. Vinte e um dentre os 22 presentes afirmaram que o conceito era razoável. Mas conseguiria o Antropoceno atender aos critérios usados para a designação de uma nova época geológica? No jargão da disciplina, as épocas são períodos de tempo curtos, mesmo quando se estendem por dezenas de milhões de anos. (Os períodos, como o Ordoviciano e o Cretáceo, duram bem mais, e as eras, como a Mesozóica, são ainda mais longas.) As fronteiras entre as épocas são definidas por mudanças preservadas em rochas sedimentares - como o surgimento de um tipo de organismo fossilizado, por exemplo, ou o desaparecimento de outro.Claro que esse registro rochoso do presente ainda não existe. Por isso, a questão era: quando tal registro existir, o impacto da presença humana vai se revelar "estratigraficamente significativo"? A resposta dada pelo grupo do britânico Jan Zalasiewicz é afirmativa - ainda que não pelos motivos que poderíamos esperaar.Provavelmente a maneira mais óbvia pela qual os seres humanos vêm alterando o planeta é com construção de cidades, que não passam de enormes extensões de materiais artificiais - aço, vidro, concreto e tijolos. Mas o fato é que a maioria das cidades não é muito propícia à preservação no longo prazo, pela simples razão de que foram erguidas sobre a terra, onde as forças da erosão tendem a suplantar as da sedimentação. De uma perspectiva geológica, os sinais humanos mais visíveis na paisagem atual "de certo modo são os mais transitórios", observa Zalasiewicz.
As pessoas também transformaram o planeta com a agricultura; algo como 38% das áreas sem gelo do planeta hoje são destinadas ao cultivo do solo. Mas, também nesse caso, alguns dos efeitos que parecem hoje mais significativos vão acabar deixando, na melhor das hipóteses, marcas sutis. Fábricas de fertilizante, por exemplo, produzem mais nitrogênio do ar - tornando-o biologicamente aproveitável - do que todas as plantas e todos os micróbios terrestres; e o escoamento de campos fertilizados vem provocando uma proliferação letal de algas em estuários. Mas será muito difícil detectar essa perturbação global do ciclo do nitrogênio, pois o nitrogênio sintetizado não se distingue de seu equivalente natural. Os geólogos do futuro irão avaliar a escala da agricultura industrial no século 21 com base no registro do pólen - nas extensões monocromáticas do pólen de milho, trigo e soja, as quais acabarão sendo substituídas pelos traços mais diversificados resultantes de florestas ou campos úmidos.
Quanto à destruição das florestas, ela vai enviar pelo menos dois sinais codificados aos estratígrafos futuros. Quantidades enormes de solo erodido em áreas desmatadas estão aumentando a sedimentação em algumas regiões do mundo - ao mesmo tempo, porém, as barragens na maioria dos principais rios estão retendo sedimentos que acabariam sendo carreados para o mar. Já o segundo sinal do desmatamento deve ser mais evidente. A perda de hábitat florestal é uma causa importante de extinções. Se forem mantidas as tendências atuais - as maiores nos últimos 500 milhões de anos -, esse ritmo logo pode se tornar dezenas de milhares de vezes mais acelerado.
A mudança realmente significativa é invisível para nós - a alteração na composição da atmosfera. As emissões de dióxido de carbono são desprovidas de cor, de odor e, a curto prazo, de perigo. Mas seu efeito no aquecimento da atmosfera pode levar as temperaturas a níveis que não se registram há milhões de anos. Certas plantas e animais começam a seguir para regiões próximas aos polos, e essas mudanças vão deixar traços no registro fóssil. Há espécies que não conseguirão sobreviver ao aquecimento. Por outro lado, o aumento nas temperaturas pode acabar elevando o nível dos oceanos em 6 metros ou mais.
Muito tempo depois de nossos carros, cidades e fábricas terem sido transformados em pó, as consequências da queima de bilhões de toneladas de carvão e petróleo serão bem perceptíveis. Além de aquecer o planeta, o dióxido de carbono também impregna os oceanos e acidifica suas águas. Em algum momento neste século, talvez eles estejam tão ácidos que os corais não mais poderão construir recifes, o que poderá se manifestar nos registros geológicos como um "hiato de recifes". Esse tipo de lacuna caracterizou todas as cinco grandes extinções em massa do passado. A mais recente delas, que se acredita ter sido provocada pelo impacto de um asteroide, ocorreu há 65 milhões de anos, no fim do período Cretáceo; ela eliminou não só os dinossauros, mas também os plesiossauros, os pterossauros e as amonites. A dimensão do que vem ocorrendo hoje com os oceanos supera tudo o que acontece desde então. "Para os futuros geólogos", diz Zalasiewicz, "o impacto humano pode parecer tão súbito e violento quanto o de um asteroide."
Se de fato estamos vivendo em uma nova época geológica, em que momento exato ela teve início? Segundo o paleoclimatologista William Ruddiman, da Universidade da Virgínia, a invenção da agricultura, há 8 mil anos, e o consequente desmatamento provocaram um aumento no CO2 suficiente para evitar o que teria sido o início de uma era glacial. Na opinião dele, os seres humanos foram a força dominante no planeta desde o começo do Holoceno. Crutzen, por sua vez, situou o início do Antropoceno no fim do século 18, quando, como se comprova por meio de amostras de núcleos de gelo, os níveis de dióxido de carbono começaram a aumentar, numa tendência que prossegue até hoje. Já outros cientistas consideram que a nova época começou em meados do século 20, quando houve rápida aceleração tanto do crescimento demográfico como do consumo dos recursos globais.
Zalasiewicz lidera hoje um grupo de trabalho na Comissão Internacional de Estratigrafia (ICS, na sigla em inglês), encarregado de avaliar se o Antropoceno merece ser incorporado à cronologia geológica. A decisão final irá depender dos votos da ICS e do organismo de que ela faz parte, a União Internacional de Ciências Geológicas. É um procedimento que vai levar anos - talvez a decisão acabe se tornando mais fácil. De acordo com alguns cientistas, ainda não se deu de fato o início do Antropoceno. Não por falta de um dramático impacto humano no planeta, mas porque as próximas décadas vão se revelar ainda mais significativas, em termos estratigráficos, do que nos últimos séculos. "O que é melhor: decidir que já entramos no Antropoceno ou esperar mais 20 anos e deixar que a situação piore mais?", pergunta o geólogo Mark Williams, colega de Zalasiewicz na Universidade de Leicester, na Inglaterra.
Para Crutzen, o maior valor do debate não está na revisão dos manuais de geologia. Seu objetivo é mais amplo: ele quer mesmo é concentrar a atenção nas consequências de nossa ação coletiva - e nas maneiras pelas quais ainda podemos evitar o pior. "Minha esperança", diz ele, "é que o termo Antropoceno sirva de alerta ao mundo."

 Por Elizabeth Kolbert (National Geographic Brasil).

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