Uma década atrás, quando me mudei para uma cidade pequena no Colorado, o carvão me mantinha aquecida à noite. No porão de minha casa alugada havia uma velha fornalha que consumia incontáveis pazadas de carvão e expelia um ar quente e repleto de partículas por orifícios no andar superior. A tonelada do mineral que eu comprava a cada outono era barata, pois eu vivia perto de sua fonte. A cerca de 15 quilômetros dali, trabalhadores em três minas garantiam fluxo constante de carvão.
De algum modo, esse posto avançado da economia global baseada em combustíveis fósseis tem sorte. Além de alguns silos de carvão mais altos e estradas que cruzam as mesetas, as minas subterrâneas mal são visíveis na região. E o carvão delas tem baixo teor de enxofre.
No entanto, minha fornalha e as dos meus vizinhos envolvem o vilarejo em uma nuvem medonha todo inverno, e contribuem para aquecer o planeta com suas emissões exageradas de dióxido de carbono. E o aquecimento de minha casa também tem um custo humano, que noto toda vez que olho pela janela da cozinha. Do outro lado da rua, na beira de um parque, há uma estátua de bronze representando um mineiro com uma picareta na mão. Logo abaixo de suas botas, uma placa lembra os quase 70 homens que morreram nas minas locais ao longo do último século. Hoje, com as máquinas substituindo os homens, tais mortes são mais raras, mas acontecem: a última fatalidade no vale ocorreu em 2007, e o monumento tem espaço para outros nomes.
Faz tempo que troquei minha pá de carvão por painéis solares, mas os mineiros do vale continuam se esfalfando no subsolo, e a geologia continua determinado o destino da região. A demanda por combustíveis menos poluentes despertou o interesse pelo gás natural das Montanhas Rochosas -incluindo o metano aprisionado entre os veios de carvão -, e um surto de exploração do gás agora se estende desde Montana até o Novo México. Dezenas de milhares de poços e a resultante rede de estradas novas, dutos e cercas perturbam a fauna e destroem os pastos, deixando furiosos tanto fazendeiros como caçadores. "O setor de petróleo e gás imiscui-se em toda a comunidade, em toda a paisagem", comenta Duke Cox, militante ambiental no oeste do Colorado.
Esses relatos têm seus ecos no outro lado do país, nos Apalaches, onde o topo dos morros é removido com explosivos de modo a expor os veios de carvão. Julia Bonds, a última pessoa a mudar-se de seu vilarejo - Marfork Hollow, na Virgínia Ocidental -, há oito anos, ainda se recorda das nuvens de pó de carvão, dos peixes mortos no riacho e da ameaça representada por um reservatório de escória viscosa a alguns quilômetros acima da cidadezinha. Outras pequenas cidades na região sofrem o mesmo destino. "Aqui é uma zona de guerra", diz Julia, hoje diretora do grupo ambientalista Coal River Mountain Watch.
Em Alberta, no Canadá, um grupo de empresas está explorando imensos depósitos de areia betuminosa extraindo uma substância parecida com melaço que pode ser transformada - por meio de procedimentos que requerem muita energia - em petróleo cru refinável. A extração e o processamento da areia betuminosa canadense resultam em mais de 1 milhão de barris de petróleo por dia, fazendo com que as exportações desse produto para os Estados Unidos sejam atualmente superiores às da Arábia Saudita.
De algum modo, esse posto avançado da economia global baseada em combustíveis fósseis tem sorte. Além de alguns silos de carvão mais altos e estradas que cruzam as mesetas, as minas subterrâneas mal são visíveis na região. E o carvão delas tem baixo teor de enxofre.
No entanto, minha fornalha e as dos meus vizinhos envolvem o vilarejo em uma nuvem medonha todo inverno, e contribuem para aquecer o planeta com suas emissões exageradas de dióxido de carbono. E o aquecimento de minha casa também tem um custo humano, que noto toda vez que olho pela janela da cozinha. Do outro lado da rua, na beira de um parque, há uma estátua de bronze representando um mineiro com uma picareta na mão. Logo abaixo de suas botas, uma placa lembra os quase 70 homens que morreram nas minas locais ao longo do último século. Hoje, com as máquinas substituindo os homens, tais mortes são mais raras, mas acontecem: a última fatalidade no vale ocorreu em 2007, e o monumento tem espaço para outros nomes.
Faz tempo que troquei minha pá de carvão por painéis solares, mas os mineiros do vale continuam se esfalfando no subsolo, e a geologia continua determinado o destino da região. A demanda por combustíveis menos poluentes despertou o interesse pelo gás natural das Montanhas Rochosas -incluindo o metano aprisionado entre os veios de carvão -, e um surto de exploração do gás agora se estende desde Montana até o Novo México. Dezenas de milhares de poços e a resultante rede de estradas novas, dutos e cercas perturbam a fauna e destroem os pastos, deixando furiosos tanto fazendeiros como caçadores. "O setor de petróleo e gás imiscui-se em toda a comunidade, em toda a paisagem", comenta Duke Cox, militante ambiental no oeste do Colorado.
Esses relatos têm seus ecos no outro lado do país, nos Apalaches, onde o topo dos morros é removido com explosivos de modo a expor os veios de carvão. Julia Bonds, a última pessoa a mudar-se de seu vilarejo - Marfork Hollow, na Virgínia Ocidental -, há oito anos, ainda se recorda das nuvens de pó de carvão, dos peixes mortos no riacho e da ameaça representada por um reservatório de escória viscosa a alguns quilômetros acima da cidadezinha. Outras pequenas cidades na região sofrem o mesmo destino. "Aqui é uma zona de guerra", diz Julia, hoje diretora do grupo ambientalista Coal River Mountain Watch.
Em Alberta, no Canadá, um grupo de empresas está explorando imensos depósitos de areia betuminosa extraindo uma substância parecida com melaço que pode ser transformada - por meio de procedimentos que requerem muita energia - em petróleo cru refinável. A extração e o processamento da areia betuminosa canadense resultam em mais de 1 milhão de barris de petróleo por dia, fazendo com que as exportações desse produto para os Estados Unidos sejam atualmente superiores às da Arábia Saudita.
Nas lavras de areia betuminosa são usados os maiores caminhões e tratores do planeta, que revolvem o terreno, multiplicam as crateras e abrem um conjunto de tanques de rejeitos que ocupa uma área superior a 130 quilômetros quadrados. No verão passado, as crianças de Fort Chipewyan, remoto vilarejo ocupado por índios crees e chipewyans e situado a jusante da área de exploração da areia, capturaram um peixe com duas mandíbulas. Os moradores desconfiam de que toxinas liberadas pelos rejeitos estejam por trás de um surto local de vários tipos de câncer.
A América do Norte, evidentemente, é responsável por apenas uma parte do custo global da energia. Na China, onde o setor de mineração de carvão emprega 3 milhões de pessoas, milhares de mineiros - muitos deles trabalhadores migrantes, forçados a arriscar a vida em troca de salário regular - morrem em inundações, incêndios, desmoronamentos e explosões nas minas a cada ano. Apesar do endurecimento do governo, as tragédias continuam a acontecer. As doenças respiratórias são corriqueiras, e as chuvas ácidas, resultantes da queima do carvão, vêm devastando as florestas e as áreas de cultivo no país. Ainda mais terrível é a situação no delta do rio Níger, na Nigéria, uma área rica em petróleo na qual os vazamentos de óleo, as chuvas ácidas e a frenética construção de canais e oleodutos destruíram um dos maiores manguezais do mundo. Em vez prosperidade, o surto petrolífero do país resultou em corrupção política e miséria.
Mas a corrida pelos combustíveis fósseis prossegue acelerada, em parte para satisfazer uma voracidade mundial por energia - e em parte porque oferecem às populações locais um irresistível pacto diabólico. Para muitos vilarejos isolados, o setor de mineração oferece tentações: graças aos tributos pagos por uma companhia de gás, os alunos de uma escola pública de Pinedale, em Wyoming, têm acesso a um centro recreativo que custou 20 milhões de dólares e a salas de aula equipadas com avançados equipamentos.
O trabalho nas minas e nos equipamentos de perfuração, embora arriscado, é bem pago. E muitos trabalhadores têm orgulho em cumprir tarefas perigosas, levar adiante tradições familiares ou comunitárias e prover um produto essencial a seus concidadãos. Às vezes, eles consideram as mudanças não como saída, mas como ameaça a seu modo de vida.
Mas as mudanças já estão ocorrendo, e algumas delas implicam em opções mais amenas. Sob uma nova lei do Colorado, até 2020 as principais companhias elétricas do estado devem obter de fontes renováveis um quinto de toda a energia que fornecem. Turbinas eólicas e painéis solares estão sendo instalados em fazendas e sítios do Colorado, e postos de trabalho em setores poluentes agora estão migrando para atividades menos agressivas ao meio ambiente. Na pequena cidade em que vivo, à beira da área de extração de gás, a antiga escola secundária ainda é usada para treino de segurança dos carvoeiros. Mas, a 1 quilômetro dali, em um campus recém-construído da Solar Energy International, uma organização sem fins lucrativos, especialistas em energia renovável orientam empreiteiros, eletricistas e ocasional trabalhador aposentado dos setores de petróleo e gás para que tirem proveito financeiro desse novo tipo de corrida energética.
A geologia continua influenciando o destino, mas não por muito tempo.
A América do Norte, evidentemente, é responsável por apenas uma parte do custo global da energia. Na China, onde o setor de mineração de carvão emprega 3 milhões de pessoas, milhares de mineiros - muitos deles trabalhadores migrantes, forçados a arriscar a vida em troca de salário regular - morrem em inundações, incêndios, desmoronamentos e explosões nas minas a cada ano. Apesar do endurecimento do governo, as tragédias continuam a acontecer. As doenças respiratórias são corriqueiras, e as chuvas ácidas, resultantes da queima do carvão, vêm devastando as florestas e as áreas de cultivo no país. Ainda mais terrível é a situação no delta do rio Níger, na Nigéria, uma área rica em petróleo na qual os vazamentos de óleo, as chuvas ácidas e a frenética construção de canais e oleodutos destruíram um dos maiores manguezais do mundo. Em vez prosperidade, o surto petrolífero do país resultou em corrupção política e miséria.
Mas a corrida pelos combustíveis fósseis prossegue acelerada, em parte para satisfazer uma voracidade mundial por energia - e em parte porque oferecem às populações locais um irresistível pacto diabólico. Para muitos vilarejos isolados, o setor de mineração oferece tentações: graças aos tributos pagos por uma companhia de gás, os alunos de uma escola pública de Pinedale, em Wyoming, têm acesso a um centro recreativo que custou 20 milhões de dólares e a salas de aula equipadas com avançados equipamentos.
O trabalho nas minas e nos equipamentos de perfuração, embora arriscado, é bem pago. E muitos trabalhadores têm orgulho em cumprir tarefas perigosas, levar adiante tradições familiares ou comunitárias e prover um produto essencial a seus concidadãos. Às vezes, eles consideram as mudanças não como saída, mas como ameaça a seu modo de vida.
Mas as mudanças já estão ocorrendo, e algumas delas implicam em opções mais amenas. Sob uma nova lei do Colorado, até 2020 as principais companhias elétricas do estado devem obter de fontes renováveis um quinto de toda a energia que fornecem. Turbinas eólicas e painéis solares estão sendo instalados em fazendas e sítios do Colorado, e postos de trabalho em setores poluentes agora estão migrando para atividades menos agressivas ao meio ambiente. Na pequena cidade em que vivo, à beira da área de extração de gás, a antiga escola secundária ainda é usada para treino de segurança dos carvoeiros. Mas, a 1 quilômetro dali, em um campus recém-construído da Solar Energy International, uma organização sem fins lucrativos, especialistas em energia renovável orientam empreiteiros, eletricistas e ocasional trabalhador aposentado dos setores de petróleo e gás para que tirem proveito financeiro desse novo tipo de corrida energética.
A geologia continua influenciando o destino, mas não por muito tempo.
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