Em agosto de 1881, o naturalista John Muir partiu do Alasca no vapor Thomas Corwin em busca de três navios que se perderam no Ártico. Na costa de Point Barrow, ele avistou três ursos-polares, "uns bichos magníficos, vigorosos, gozando sua força no seio da vastidão gelada", descreveu. Mas, se Muir zarpasse de Point Barrow em agosto de 2010, qualquer urso que ele visse estaria nadando em mar aberto, queimando preciosas reservas de gordura. O hábitat de gelo marinho está desaparecendo. E depressa.
Os ursos-polares singram o nicho ártico onde água, gelo e ar se encontram. Esplendidamente adaptados a esse meio inóspito, a maioria deles passa a vida no gelo marinho. Ali caçam o ano todo e só vão à terra firme para fazer a toca em que nascerão suas crias. Suas presas principais são a foca-anelada e a barbuda (dizem que eles são capazes de farejar o respiradouro de uma foca a mais de 1,5 quilômetro de distância), mas às vezes também comem morsas e até belugas.
O gelo é o alicerce do ambiente marinho no Ártico. Em vez de sólido, ele é perfurado por canais e túneis de várias dimensões, e nessa camada - ou sob ela - se abrigam organismos vitais. Trilhões de diátomos, zooplânctons e crustáceos salpicam a coluna de gelo. Na primavera, a luz solar penetra e promove o crescimento de algas. Elas afundam e, nas áreas rasas da plataforma continental, sustentam uma cadeia alimentar que inclui mexilhões e mariscos, o bacalhau Arctogadus glacialis, focas, morsas e ursos-polares.
Especialistas estimam que existem hoje entre 20 mil e 25 mil ursos-polares, divididos em 19 subpopulações. Os de Svalbard (o arquipélago norueguês onde Florian Shulz fez a maioria destas fotos), do mar de Beaufort e da baía Hudson são estudados há mais tempo. Foi no oeste da baía Hudson, onde o gelo derrete no verão e volta a congelar até a costa no outono, que primeiro se percebeu o problema desses animais.
O gelo é o alicerce do ambiente marinho no Ártico. Em vez de sólido, ele é perfurado por canais e túneis de várias dimensões, e nessa camada - ou sob ela - se abrigam organismos vitais. Trilhões de diátomos, zooplânctons e crustáceos salpicam a coluna de gelo. Na primavera, a luz solar penetra e promove o crescimento de algas. Elas afundam e, nas áreas rasas da plataforma continental, sustentam uma cadeia alimentar que inclui mexilhões e mariscos, o bacalhau Arctogadus glacialis, focas, morsas e ursos-polares.
Especialistas estimam que existem hoje entre 20 mil e 25 mil ursos-polares, divididos em 19 subpopulações. Os de Svalbard (o arquipélago norueguês onde Florian Shulz fez a maioria destas fotos), do mar de Beaufort e da baía Hudson são estudados há mais tempo. Foi no oeste da baía Hudson, onde o gelo derrete no verão e volta a congelar até a costa no outono, que primeiro se percebeu o problema desses animais.
O biólogo Ian Stirling monitora os ursos-polares dessa área desde fins dos anos 1970. Descobriu que eles se empanturravam de focas na primavera e no início do verão, antes de se abrigar em terra firme durante o degelo. A essa altura, nos anos favoráveis, os ursos haviam acumulado boa camada de gordura. Em terra, entravam em um estado conhecido como torpor parcial, reduzindo o metabolismo para poupar as reservas de gordura. "Até o início dos anos 1990, os ursos podiam jejuar durante o período de degelo no verão e no outono na baía Hudson porque a caça no gelo da primavera era excelente", diz Stirling.
Nos anos seguintes, Stirling e um colega, Andrew Derocher, começaram a discernir um padrão assustador ao observar os ursos. Constataram que, embora a população se mantivesse constante, eles estavam ficando magros. Em 1999, os biólogos haviam detectado uma correlação entre a diminuição do gelo marinho e a deterioração da maioria dos indicadores de saúde dos ursos-polares. Eles não cresciam tanto quanto antes, e alguns iam para terra mais magros. As fêmeas tinham crias com menor frequência e em menor número. Menos filhotes sobreviviam.
Quando Stirling e colegas publicaram suas descobertas, ainda era possível duvidar que o aquecimento afetava os ursos-polares. Em uma entrevista em 1999, o cientista Steven Amstrup, que estudara os ursos no mar de Beaufort desde 1980, disse que ainda não vira o tipo de mudança observada por Stirling. Não mesmo? "O estalo só veio quando percebi uma dificuldade para atravessar o gelo em meus estudos de campo no outono - uma tendência prolongada e cada vez pior", recorda-se. "Pouco depois notamos aquelas mesmas mudanças biológicas nos nossos ursos."
O mundo ainda não sabia, mas, durante o verão, o gelo marinho vinha derretendo cada vez mais cedo e mais rápido e, no inverno, o congelamento ocorria mais tarde. O período mais longo de degelo no verão ameaça a cadeia alimentar do Ártico, no topo da qual está o urso-polar.
Desde que Muir zarpou no Corwin, os gases de efeito estufa contribuíram para um aquecimento médio na Terra de 0,5ºC. Parece insignificante, mas isso pode perturbar visivelmente um ambiente de gelo e neve. Vivam na baía Hudson, no mar de Beaufort ou no de Barents, os ursos-polares enfrentam o mesmo problema. O gelo marinho em que eles caçam está disponível por períodos cada vez mais curtos, forçandoos a jejuns prolongados. E, como o bloco congelado mais fino é facilmente arrastado por ventos e correntes, os ursos podem ser levados a territórios estranhos. Isso os força a nadar por mais tempo e com maior esforço em mar aberto para encontrar gelo favorável ou subir à terra firme.
Nos anos seguintes, Stirling e um colega, Andrew Derocher, começaram a discernir um padrão assustador ao observar os ursos. Constataram que, embora a população se mantivesse constante, eles estavam ficando magros. Em 1999, os biólogos haviam detectado uma correlação entre a diminuição do gelo marinho e a deterioração da maioria dos indicadores de saúde dos ursos-polares. Eles não cresciam tanto quanto antes, e alguns iam para terra mais magros. As fêmeas tinham crias com menor frequência e em menor número. Menos filhotes sobreviviam.
Quando Stirling e colegas publicaram suas descobertas, ainda era possível duvidar que o aquecimento afetava os ursos-polares. Em uma entrevista em 1999, o cientista Steven Amstrup, que estudara os ursos no mar de Beaufort desde 1980, disse que ainda não vira o tipo de mudança observada por Stirling. Não mesmo? "O estalo só veio quando percebi uma dificuldade para atravessar o gelo em meus estudos de campo no outono - uma tendência prolongada e cada vez pior", recorda-se. "Pouco depois notamos aquelas mesmas mudanças biológicas nos nossos ursos."
O mundo ainda não sabia, mas, durante o verão, o gelo marinho vinha derretendo cada vez mais cedo e mais rápido e, no inverno, o congelamento ocorria mais tarde. O período mais longo de degelo no verão ameaça a cadeia alimentar do Ártico, no topo da qual está o urso-polar.
Desde que Muir zarpou no Corwin, os gases de efeito estufa contribuíram para um aquecimento médio na Terra de 0,5ºC. Parece insignificante, mas isso pode perturbar visivelmente um ambiente de gelo e neve. Vivam na baía Hudson, no mar de Beaufort ou no de Barents, os ursos-polares enfrentam o mesmo problema. O gelo marinho em que eles caçam está disponível por períodos cada vez mais curtos, forçandoos a jejuns prolongados. E, como o bloco congelado mais fino é facilmente arrastado por ventos e correntes, os ursos podem ser levados a territórios estranhos. Isso os força a nadar por mais tempo e com maior esforço em mar aberto para encontrar gelo favorável ou subir à terra firme.
O urso-polar é forte nadador, mas vencer longas distâncias em mar aberto é exaustivo - e pode ser fatal. Em 2008, uma ursa equipada com radiocolar nadou com seu filhote de 1 ano espantosos 687 quilômetros para chegar ao gelo na costa norte do Alasca. O filhote não aguentou. Pesquisadores que recenseavam baleias-da-groenlândia em 2004 avistaram quatro ursos-polares mortos depois de uma tempestade no mar de Beaufort. E estimam que até 27 ursos podem ter-se afogado durante essa tormenta.
Para as fêmeas, a situação é particularmente dura. Machos subnutridos podem matar e comer filhotes e até mães, e os cientistas supõem que tais ocorrências serão cada vez mais frequentes se o alimento diminuir. Chegar ao lugar em que suas ancestrais faziam as tocas para procriar pode ser um suplício. Em uma ilha de Svalbard, nos anos em que o mar congelava tarde, os cientistas viam poucas ou nenhuma toca na primavera seguinte. "Em condições normais, encontrariam 20 ou mais", diz Jon Aars, do Instituto Polar da Noruega. Ele não sabe se as fêmeas achavam outros locais ou se deixavam de dar cria naquele ano.
Desde pequenos criamos uma imagem do mundo físico: o céu é azul, o Ártico é branco. Mas está previsto que, antes do fim do século, a maior parte do Ártico terá o azul das águas no verão. Ele poderá sustentar ursos-polares? Só no curto prazo, pensam Amstrup e Stirling.
Correntes ainda empurram o gelo à deriva de encontro às ilhas do Ártico canadense e ao norte da Groenlândia no verão, criando bolsões que poderão reter gelo suficiente para sustentar os ursos-polares por todo este século. Mas o veredicto de Jon Aars é claro: "Se o mundo continuar esquentando, um dia até esses últimos refúgios deixarão de abrigar o ícone do Ártico".
Para as fêmeas, a situação é particularmente dura. Machos subnutridos podem matar e comer filhotes e até mães, e os cientistas supõem que tais ocorrências serão cada vez mais frequentes se o alimento diminuir. Chegar ao lugar em que suas ancestrais faziam as tocas para procriar pode ser um suplício. Em uma ilha de Svalbard, nos anos em que o mar congelava tarde, os cientistas viam poucas ou nenhuma toca na primavera seguinte. "Em condições normais, encontrariam 20 ou mais", diz Jon Aars, do Instituto Polar da Noruega. Ele não sabe se as fêmeas achavam outros locais ou se deixavam de dar cria naquele ano.
Desde pequenos criamos uma imagem do mundo físico: o céu é azul, o Ártico é branco. Mas está previsto que, antes do fim do século, a maior parte do Ártico terá o azul das águas no verão. Ele poderá sustentar ursos-polares? Só no curto prazo, pensam Amstrup e Stirling.
Correntes ainda empurram o gelo à deriva de encontro às ilhas do Ártico canadense e ao norte da Groenlândia no verão, criando bolsões que poderão reter gelo suficiente para sustentar os ursos-polares por todo este século. Mas o veredicto de Jon Aars é claro: "Se o mundo continuar esquentando, um dia até esses últimos refúgios deixarão de abrigar o ícone do Ártico".
Fonte: National Geographic Brasil.
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